sexta-feira, 25 de junho de 2010

Individualismo ou trabalho autoral?


De uns tempos pra cá tenho começado a ver que este blog tem sido cada vez mais quase como um diário; meus trabalhos e projetos que vou compartilhando aqui sempre trazem um pouco do momento vivido, em que acontecem, e também das minhas impressões sobre cada coisa e seus aspectos. Nessa linha, posto algo em que tenho pensado e refletido muito sobre, uma inquietação.
Foi outro dia, numa roda de conversa entre colegas animadores e ilustradores, que chegamos no clássico tópico de se constituir uma equipe pra fazer um filme, que alguém soltou a clássica frase: "não dá pra fazer animação sozinho!". Sempre que ouço isso, me incomodo. Será mesmo que não dá pra se criar um filme de animação sozinho? Aliás, qual a definição de ser fazer algo "sozinho"? Uma afirmação dessas, pra começar, pressupõe a também "clássica" noção de produção industrial, subdividida e hierarquizada, no qual se acredita que a qualidade final da obra é diretamente proporcional ao número de profissionais envolvidos, ou seja, quantos mais, melhor. Bom, talvez eu esteja sendo irônico; se defende pelo menos um certo número de profissionais especializados em certas áreas, constituindo uma equipe mais ou menos equilibrada. Eu reconheço que pensamentos similares a este padrão de produção já foram responsáveis por criar muito filmes geniais e continuarão fazendo-o, mas há de se perceber que não existe só essa maneira. Engraçado que sempre que se fala sobre isso num grupo (onde normamente todos pensam assim) apenas fico calado, retruco só nos meus pensamentos, mas penso muito em numa próxima vez levantar a mão e comentar - ou relembrar (ou até mesmo introduzir) que um outro mundo é possível. Uma visão mais autoral de um trabalho, um personal statement, como se diz em alguns livros, é constituído de uma visão muito particular sobre algo, a questão mesmo da eterna busca de um artista. O fato é que se construiu com os anos essa imagem da produção de grande escala de estúdio como única forma possível de criação de animação, e são relativamente poucos animadores hoje que tem no meio uma porta para expressar seus sentimentos mais pessoais, usando para isso artifícios - técnicas e variações inéditas de técnicas -  de uma maneira muito particular. A subversão do estabelecido está na base de todas as obras que põe o meio para a frente, que fazem a arte fazer realmente as pessoas pensarem, refletirem sobre suas vidas. Na imagem acima, o já lendário Norman McLaren, mestre do cinema de animação experimental e artista que tinha ainda mais do que uma visão autoral; possuía um sentimento de inquietude que se faz presente em toda a sua obra, uma espécie de sede de criação que nunca se sacia, uma "insatisfação" que terminou por criar, desenvolver e sedimentar muitas das inovações artísticas e tecnológicas do meio, além de ter criado obras que emocionam até hoje e se tornam  ainda melhores com o tempo. Para fechar - e esperando que este não se torne um daqueles blogs de postagens pseudo-intelectuais e pessoais intermináveis - posto o prefácio escrito pelo animador e cineasta de animação George Griffin para a edição de 1978 do livro The Animation Book, o qual falei sobre na postagem passada:

Um novo método de se fazer animação tem sobrevoado a última década e com ele uma nova geração de artistas que usam o meio primeiramente para sua expressão pessoal. Os novos animadores assumem direta responsabilidade sobre quase todo aspecto do processo de realização: concepção, desenho, filmagem e até mesmo a construção do suporte de câmera. Esta reivindicação da autoridade criativa contrasta contrasta nitidamente com o sistema de produção impessoal de 'linha de montagem' de estúdios da indústria de desenhos animados e retorna a animação para o seu impulso original experimental, como encarnado no trabalho de Windsor McCay, Emile Cohl, Hans Richter e Oskar Fischinger.
É isso. Em frente :)

terça-feira, 22 de junho de 2010

Livros animados!

Há alguns dias atrás, na minha primeira visita à recém inaugurada Livraria Cultura aqui de Fortaleza deparei-em com três pequenas-grandes pérolas de publicações relativas ao cinema de animação, e deixo como indicação a todos os interessados na árera a fundo. O primeiro deles, The Animation Bible, é um fantástico compêndio de material sobre animação, tanto em relação à autores como às suas técnicas e temáticas. Ricamente ilustrado e repleto de detalhes das produções abordadas, o livro tem um foco interessantíssimo na animação experimental, sempre listando e relacionando métodos e processos tradicionais com as abordagens digitais, por sinal a cada dia mais acessíveis e especializadas. Só não entendi o porque da capa com esse coelhinho tão esquisito, ainda por cima visto o material tão rico e sofisticado que praticamente transborda no interior do livro... :P
O segundo, The Animation Book, embora relativamente mais antigo (a edição mais nova é de 1998) é também uma coletânea interessantíssima de abordagens, técnicas e estilos.
Ele também tem uma abordagem muito interessante sobre o cinema de animação experimental, inclusive detalhando alguns processos como animação com areia e tinta sobre vidro. Nem preciso dizer que esse capítulo em específico foi o que me o fez comprá-lo... :P


E o último foi o Dream Worlds, de Hans Bacher, desenhista de produção de inúmeras produções animadas, que mostra trabalhos realizados sobretudo na Disney em mega produções como Bambi, Rei Leão e Alladin. As imagens são belíssimas e inspiradoras ao extremo - fui especialmente conquistado pelos estudos semi-abstratos realizados para alguns filmes, que pra mim já pareciam um filme em si. :P
E foi isso; mais algumas aquisições de inestimável valor para a minha biblioteca animada. O valor também foi inestimável pro meu cheque-especial, que mais uma vez entra em ação em momentos não-planejados de investimento. É a vida: a arte de conciliarmos o desejo com o necessário e sabermos assumir o preço, em todos os níveis... :)

domingo, 20 de junho de 2010

Referência: Joan Gratz

Autora de alguns dos curtas de animação mais impressionantes que já vi, Joan Gratz é sem dúvida nenhuma uma das minhas principais referências. Utilizando a técnica da Pintura no Tempo realizada com massa de modelar, ela consegue aliar perfeitamente a técnica apurada com uma visão artística madura, sofisticada e sensível. Um dos seus grandes e melhores trabalhos é Mona Lisa Descending a Staircase:

Já vi este curta dezenas e dezenas de vezes mas sempre encontro coisas novas: partes de transições que não tinha visto, fusões que não tinha percebido e outras coisinhas que vou aos poucos enxergando e tentando absorver. Anos atrás, quando o vi pela primeira vez fiquei abismado e não acreditava que um ser humano pudesse criar algo assim. Hoje não, com a experiência adquirida já posso ver que é vagamente possível que alguém possa mesmo ter criado algo do tipo :P Achei inclusive esta pequena reportagem sobre o filme e a autora, quando da época de sua indicação ao Oscar (que se mostrou posteriormente uma vitória, ganhando a estatueta de melhor curta de animação de 1993):

Esta é a técnica que tenho me dedicado a aprender e desenvolver, e por algum motivo pouquíssimos animadores no mundo a usaram e/ou têm usado. A animação de metamorfose é uma das abordagens da animação mais antigas de que se tem notícia, e é a base da pintura no tempo. Com as tecnologias digitais de hoje é muito mais acessível realiza-la, e embora o trabalho de animação quadro a quadro sequencial que esta técnica de pintura animada exige seja complexo e muitas vezes até penoso, o resultado sempre surpreende e nos faz querer ir cada vez mais longe. O fato é que tenho estado cada diz mais apaixonado por esta forma de se fazer animação, e em breve devo postar mais algo sobre minhas pequenas experiências e descobertas pessoais neste campo :)

domingo, 13 de junho de 2010

Linhas e Espirais no Anima Mundi!



E há algumas semanas tive a alegria de saber que o meu curta Linhas e Espirais entrou no festival! Pelo que acompanho há anos do Anima Mundi, a cada edição eles estão mais e mais seletivos e precisos na escolha das obras; ter um trabalho escolhido pra fazer parte é desde já uma honra. Tive a oportunidade de participar das edições de 2007 e 2008, e o mais interessante deste ano é que desta vez entrei na categoria Galeria, onde os trabalhos são exibidos em um ambiente de museu, projetados nas paredes como obras de caráter contemporâneo, em forma não-competitiva. Novamente é quase um prêmio ter entrado, ainda mais nesta mostra específica. Sempre quis saber como se fazia pra participar desta categoria, pois não era possível se inscrever nela; agora sei que é a comissão que escolhe que filmes farão parte desta seleção. :)
Abaixo coloco o texto que está no catálogo de 2008 sobre a categoria Galeria, quando da sua criação:
"Galeria Animada
Há obras de animação que, por sua proposta estética não-convencional ou experimental, merecem ser vivenciadas em um ambiente mais próximo de uma galeria de arte do que de uma sala de cinema convencional.
Dentro da linha do festival de sempre abrir o seu leque de espaços para formatos e linguagem diversificadas, criamos este ano a GALERIA ANIMADA.
Concebida especialmente para animações de forma e conteúdo originais e investigativos, a galeria permitirá ao público a apreciação destas obras sem limitação de tempo, num espaço diferenciado com áudio e vídeo de qualidade."
Legal que viram isso no meu trabalho sem eu nem precisar falar :P
Bom, ainda não tive a oportunidade de visitar pessoalmente o festival, mas estou fazendo de tudo pra ir. Espero ter postagens em breve aqui da minha presença no festival in loco! :D