domingo, 19 de agosto de 2012

Saudade

Saudade from Diego Akel on Vimeo.

O curta Saudade foi o resultado da disciplina de Cinema de Animação, que ministrei na última edição do Projeto Educando o Olhar, um curso completo de audiovisual ministrado em escolas da rede pública de Fortaleza. A partir de uma visão da animação como algo mais livre, utilizei a técnica da rotoscopia, em que imagens reais filmadas são transformadas em frames separados e manipulados um a um. O material então é refotografado e vemos o movimento real, adicionado da manipulação manual. Foi um trabalho muito gratificante de fazer, e o resultado foi além das nossas expectativas. Novamente, Sabina Colares - a coordenadora e idealizadora do projeto - produziu, juntamente com Carolinne Vieira e comigo, e tive a assistência valorosa de Josimário Façanha, tanto durante as aulas como na finalização do material.

No vídeo dos bastidores, belamente produzido pela Comunik Filmes, podemos ter uma noção do processo:



As aulas foram muito divertidas, os alunos se empolgaram muito assistindo aos trabalhos de Norman McLaren, Oskar Fischinger e outros mestres da animação experimental. Assistimos ainda diversos trabalhos envolvendo a técnica da rotoscopia e da manipulação de imagens reais em animação. Reconheço que as oficinas que ministro sempre refletem um pouco as minhas inquiatações de cada momento. Quando a Sabina me perguntou sobre a possibilidade de trabalhar esta técnica com os alunos eu me empolguei um bocado, pois realizar um filme assim era - aliás, ainda é - uma das minhas maiores vontades. Poder compartilhar com os alunos essa possibilidade, dividir com eles a feitura de um filme assim seria muito bacana.

Quando assistiamos à referências, durante as aulas, sempre que acabava um filme que eles gostavam (e gostaram de todos), eu provocava perguntando "Qual a história deste filme? Quais os personagens? Sobre o que ele fala?". A impossibilidade de responder estas questões mostra que os trabalhos sem narrativa definida e personagens podem sim, ao contrário do que muitos imaginam, ser interessantes, ricos e empolgantes. Além do mais, era o primeiro contato de jovens (que tinham entre 16 e 18 anos) com um cinema mais abstrato, e não precisaram intelectualizar exageradamente o processo de entedimento - coisa necessária para muita gente que conheço, por sinal. O legal é exatamente ver como eles se identificam e podem usar estes trabalhos como ponto de partida para construir as suas próprias ideias.

Para realizar o filme, como foi mostrado nos bastidores, basicamente, cada aluno gravou cinco segundos em vídeo de algo que, para ele, remetesse à saudade. Alguns formaram grupos, mas todos escolheram o que filmar. Não havia roteiro. Alguns filmaram sem imaginar o que fazer depois, outros já tinham uma ideia precisa de como iriam interferir nas imagens. Após a filmagem, separamos os vídeos de cada aluno. Uma vez decompostos em frames (12 por segundo) e impressos (cabiam seis por página A4), cada aluno recebia os seus cinco segundos - no caso, sessenta frames - e utilizaram canetas hidrográficas, lápis de cor, giz de cera e sobretudo giz pastel para interferir nas cenas. O mais legal de usar o giz pastel é que ele permite que utilizemos cores claras para cobrir massas escuras da imagem original, isolando trechos ou repintando de uma forma bem particular, que associado ao movimento real da imagem dá esse "estranhamento" que é próprio de filmes em rotoscopia. Fizemos um teste onde pegamos uma cena de um aluno (um salto de uma escada) para que todos animassem. Isto tanto foi ótimo para que entendessem o princípio como para acompanharem o processo de captura - montamos uma truca na sala de aula e fotografamos este teste ao vivo, conforme terminavam. Após isso, partimos para o plano final, de cada um.

Para fotografar, tivemos a ideia de preencher o espaço além dos frames com desenhos e textos dos alunos, além dos materiais usados na animação. Nesta etapa fotografamos na truca do NUCA, eu e Josimário animando minimamente a chegada / saída de cada plano e outros pequenos detalhes, cuidando para que o nosso trabalho não se sobrepusesse à animação dos alunos. Após esta parte e o tratamento das imagens, partimos para a edição. Convidamos os editores Gracielly Dias e Vinícius Alves para montar tudo, no que fizeram um trabalho genial. Na trilha, o músico Ednilson Gomes Júnior deu o toque preciso para fecharmos este pequeno trabalho de forma tão delicada.



Semana passada ocorreu o lançamento formaal do filme aqui em Fortaleza, junto com os outros dois trabalhos de conclusão de curso dos alunos do projeto. Foi muito bacana e emocionante estar ali presente. Depois, conversando com alguns dos outros professores do curso, percebi que na verdade nós é que aprendemos com os alunos - aprendemos a sermos livres de novo. Pois, conforme vamos nos desenvolvendo mais, conhecendo mais e produzindo, vamos de certa forma abandonando aquele espírito livre do comecinho, de quando "nada" sabíamos mas tínhamos toda a coragem e disposição do mundo. Aquela "ingenuidade boa", como sempre digo, de quem se empolga com tudo e que vibra a cada nova descoberta. Tudo é novo e incrível, e esse é exatamente o espírito dele, ainda mais vendo o filme concretizado. Gerações anteriores que passaram pela escola se emocionaram na exibição, assim como familiares dos alunos. Umas das coisas mais bacanas que ouvimos é como este trabalho retrata este espírito adolescente, essa fase deles que, ainda que mude, ficou como registro para sempre no filme.

O trabalho já tem circulado por diversos festivais, entre eles a Mostra do Filme Livre e o Anima Mundi 2012. Estará agora em outubro no MUMIA, em Minas. De toda forma o filme está disponível na internet para qualquer pessoa assistir e inclusive baixar, se gostar. Vamos em frente :)

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