Há algumas semanas um vídeo me chamou a atenção no youtube. A pequena imagem que aparecia num canto, como vídeo promovido, era a que vemos abaixo; vários doces formando uma forma aparentemente animada que interagia com uma pessoa - uma animação em stop motion, como já dizia no título. Achei interessante e fui assistir.
Confesso que, sinceramente, fiquei meio decepcionado depois de ver. Inúmeras - e gritantes - variações de luz, mudanças bruscas o tempo todo no enquadramento, mudanças no formato das fotos também o tempo todo, e a animação em si, pra falar a verdade, achei muito da fraquinha. Não era possível que uma empresa como essa das balas contratasse alguém que não fizesse a coisa do jeito que deveria ser, como tantas coisas fantásticas nessa linha que vemos por aí. Ainda por cima, não conseguia entender como esse vídeo ainda conseguiu mais de trezentas mil visualizações sendo tão - achava eu - sem graça e tecnicamente fraco, aliás, fraquíssimo. Mas logo logo eu teria que engolir os meus próprios pensamentos quando assistisse, pouco depois, ao vídeo de bastidores do tal comercial:
Fiquei - e ainda estou - de boca aberta. A menina que aparece então no comercial não é uma modelozinha só pra constar - ela é a própria diretora, operadora de câmera, animadora e ainda aparece no filme!! Quantos filmes de animação você já viu que uma pessoa fez sozinha? Certamente vários, talvez muitos. Mas, quantos viu em que a pessoa que faz todas as funções ainda por cima aparece no filme como neste, tendo feito absolutamente tudo sozinha? Eu não me lembro agora de nenhum. Um pobre coitado de um faz-tudo "padrão", se não chama alguém para aparecer, aparece mas pelo menos tem um assistente ou pelo menos um amigo, irmão ou namorada pra acionar a câmera, sem os quais a solução é então não aparecer ou aparecer apenas uma mão sua, por exemplo. Mas a mocinha aí claramente pensou diferente e, na minha humilde visão, leva - assim como o fizeram todos os pioneiros e visionários de tantas áreas - todo o meio, todo o cinema de animação mundial um passo adiante. As precariedades técnicas que eu ingenuamente valorizei tanto se tornam ridículas perto da determinação dela em fazer o que queria, da maneira dela.
Como então que respondendo essas minhas teimosias idiotas em questionar o pouco domínio técnico dela até aí, ela mais recentemente fez outro trabalho, um comercial de maquiagens, tecnicamente superior, tanto fotograficamente como na animação. Mesmo esquema: ela mesmo se fotografava. Ela é tão insanamente genial que nem quis saber se a mão dela aparecia em cena com o disparador da câmera, apenas fez do jeito que imaginava e pronto. Impressione-se como eu vendo abaixo o comercial e os bastidores, no mesmo vídeo:
Mais impressionante ainda. Não tem estúdio? Crie o seu, oras! Use sua própria cama, monte um tripé em cima de pilhas de livros pesadões, ponha todos os elementos que vai usar em volta de você e tchau! Nessas horas tenho vontade de esganar aquelas pessoas nhé nhé nhé que vem dizer "Ah, queria fazer animação mas é muito difícil!... Não tenho equipamento, não tenho equipe, não tenho os materiais, é tudo caro, é tudo complicado... "...Tá certo. Enquanto uns reclamam, outros fazem. E assim caminha a humanidade.
Talvez essa moça não conheça os grandes realizadores do cinema de animação experimental, os pioneiros como Norman McLaren e Oscar Fischinger que trazem a tradição do One Man's Show pra animação, mas tenho certeza de que, conhecendo ou não, ela de fato leva o caminhar da área para novos rumos. Ela mesma se torna uma pioneira fazendo - exatamente como o McLaren e o Fischinger - as coisas da maneira dela e pronto. Faz naturalmente algo que é ainda mais complexo e específico do que muita coisa já consolidada. Não há escola, livro ou outra pessoa que ensine isso a alguém - isso surge em você, se molda nas suas aspirações, desejos e impulsos criativos e, quando você vê, já está fazendo. Ela tem sozinha mais determinação em fazer o seu pequeno filme do que muitas equipes inteiras que fazem trabalhos mega complexos e tecnicamente impecáveis por aí, mas que não têm um pingo de alma, um mínimo de sinceridade - coisa que ela tem, notoriamente, aos montes. O que ela sabe, ela faz e aprimora, o que não sabe, aprende na hora e faz. Simples assim.
E é aí que, mais uma vez, aprendo uma lição que achava já saber: não há limites para quem quer fazer algo. Não para quem pensa em fazer, mas para quem quer fazer. E quem quer fazer algo mesmo nem pensa sobre isso, apenas faz e pronto. Se o trabalho vai ficar bom aos olhos dos outros ou não, é outra história, mas com certeza a coisa tende a ficar melhor e melhor enquanto se faz - tecnicamente melhor, artisticamente fundamentado, instinto mais e mais aguçado e, consequentemente, o reconhecimento e apreciação dos que lhe rodeiam aumenta para mais e melhor. Sempre que alguém vem me perguntar o que se precisa para ser um animador, penso comigo mesmo na hora: "É mesmo né... o que é que se precisa?". Não sei responder. Acho sinceramente que nunca parei pra pensar nisso, e espero, como a nossa amiga acima, nunca parar pra pensar. O negócio é fazer, é ser sincero e meter as caras, botar a mão na massa que as coisas tomarão o seu próprio rumo e corpo ao materializar nossos maiores sonhos, conscientes e inconscientes, e nossa sinceridade ainda atrairá outros pelo caminho, que levarão o meio ainda mais longe. Em frente.
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