Já há algum tempo, ao postar coisas como desenhos e fotos aqui no blog - boa parte, por sinal, já feitos no iPhone - pensei comigo mesmo; "Ué, se posso fazer desenhos e fotos sem compromisso, apenas como estudo, treino ou mesmo pelo simples prazer de fazer, por que não posso fazer o mesmo com animações?".
Longe de querer ser mais um fã cego da Apple, tenho que reconhecer pelo menos uma coisa em Steve Jobs: o homem sabia mesmo como criar coisas que tornam nossas vidas e nossas atividades não só mais simples, mas como nos deixam mais próximos daquilo que realmente queremos fazer, e nos permite fazer ainda mais e melhor. Com o advento do iPhone (e, logicamente, dos bons aplicativos feitos para ele), fica muito mais fácil fazer estes "esboços animados", isto é, pequenas animações que, longe de serem curtas finalizados, são simplesmente manifestações criativas livres de propósito, criadas espontaneamente e - o melhor - em qualquer lugar e sob as mais diversas circunstâncias. Sem precisar criar uma infinidade de pastas, nomear centenas de arquivos, definir formatos e compressões chatíssimas, enfim, travar uma batalha com uma tranqueira de coisas - sejam no universo físico como no digital - , posso desenvolver possibilidades praticamente sem esforço, usando apenas a energia criativa inicial que nos incendeia quando temos uma ideia.
Aqui no estúdio tenho toneladas de teste de animação feitos (sejam fotografados, escaneados ou diretamente digitais, mas ainda finalizados em computador desktop), alguns feitos sempre ao começar projetos, outros que nunca foram iniciados mas deixados de lado e outros que até que ficaram interessantes, mas sabe Deus onde foram parar, nesses gigabytes que deixamos sumir entre DVD's gravados e HD externos lotados. O fato que ocorre é que desenvolver testes livres interessantes e tê-los sistematizados como eu teria desenhos numa pasta - ou mesmo encontrar todos e postar - era algo quase impensável pra mim. A própria ideia aliás, de compartilhar na rede estes testes era algo que eu ainda não pensava - sua natureza crua demais parecia longe da "polidez" que um trabalho finalizado "exige". Hoje, totalmente através do próprio iPhone, animo (utilizando o aliás excelente software ArtStudio), finalizo um pequeno vídeo, posto diretamente para o Vimeo e voilá! Está pronto e no ar. Mais sem frescura do que isso, só dois disso. Posso criar meus estudos e posta-los, que, ao mesmo tempo que os compartilho, os mantenho como registro do trabalho, dos pensamentos e ideias tidos ao decorrer do tempo.
Quando digo "sem frescura" quero dizer eliminando diversos processos, sem etapas que acabem me distanciando da empolgação e vontade que, acredito, sempre estão no começo de qualquer criação artística, mas que nem sempre chegam ao final. Ao fazer estes estudos, tudo é tão rápido e intuitivo que, antes de pensar, já fiz algumas dezenas de frames e algo que me parece interessante já se delineia. Claro, continuarei fazendo trabalho mais complexos, que necessariamente envolvem mais aspectos técnicos para uma conclusão interessante, mas confesso que criar assim, tão solto, é irresistível, delicioso, instigante e viciante. Não posso deixar de pensar: porque não fazer trabalhos "pra valer" desta forma? Por que todo trabalho animado precisa necessariamente de semanas, meses, até anos produzindo? Por que não posso fazer um trabalho interessante de uma tacada só, em alguns dias (ou até algumas horas) sem processos complexos, sem tantas etapas a serem seguidas, sem um "manual" de produção a ser percorrido? Me incomoda muito, inclusive, que muitos dos meus colegas não consigam ver o cinema de animação além destas fronteiras - o vêem apenas como uma indústria, com uma fórmula a ser seguida para se conquistar um "mercado". As abordagens - sejam técnicas, temáticas ou conceituais - são apenas repetidas, nunca questionadas ou aprimoradas.
Neste momento devo estar conduzindo cerca de uns vinte outros estudos animados, alguns prontos, outros no meio e outros bem no início, todos criados direto no iPhone. Tem de tudo, de linhas mais soltas como este até alguns testes em animação sobre fotos e rotoscopia. Todos livres, sem compromisso com mais nada a não ser deixar a coisa fluir sem restrições. Só em poder criar em qualquer lugar - fila do banco, no táxi, na espera do médico ou até na cama antes de dormir (minha opção preferida, por sinal) - já é um bálsamo. Há tempos penso em maneiras de como "dessacralizar" os aspectos técnicos de sempre de se criar animações, e esta possibilidade é um prato cheio.
Para finalizar, gosto de lembrar das palavras de Norman McLaren que, há quase 70 anos atrás, ao falar do processo de animação feito diretamente na película 35mm, o citava como sendo algo que aproximava o realizador do filme, tal qual o pintor de sua tela - não há intermédiários, apenas ele a lidar diretamente com sua obra, ao passo que na animação, são inúmeros os processos técnicos e operacionais envolvido da criação ao filme finalizado. McLaren hoje com certeza ficaria empolgadíssimo como estas novas possibilidades, e sinto que seu espírito permanece mais vivo do que nunca em todos os realizadores que exploram as possibilidades sempre infinitas que a arte animar oferece. Está tudo aí, à nossa disposição, mais acessível e palpável do que nunca. Vamos em frente.
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